A CHEGADA DE UM NORTE-AMERICANO NA ACADEMIA BRASILEIRA DE LITERATURA DE CORDEL
Autor: Andrew Milacci
Foi no ano dois mil e sete
No solo virginiano
Uma mulher eu conheci
Do estado baiano,
De pele café com leite
E cabelo cacheado.
Essa nordestina tão bela
Que nem ela eu nunca vi
Capturou o meu coração
De um jeito que eu soube
Que com ela eu ia casar,
Com ela estaria feliz.
Casados já quase dois anos
Na faculdade eu estava
Estudando literatura
E o Brasil me fascinava.
Ouvi um dia sobre
Textos que também se cantavam.
Comecei a ler um livro
Da estudiosa Sylvia Nemer
Que falava de um tal Rocha
E literatura de cordel,
Que do nordeste brasileiro
Vem a inspiração de Glauber.
Casualidade não é,
Se você estiver atento,
Que me interessasse—
Bem logo, não muito lento—
A cultura brasileira:
Foi por causa do casamento!
Quer dizer que eu fiquei
Pelo Brasil apaixonado,
E a cultura nordestina,
Porque eu tinha casado
Com mulher que tem orgulho
Das origens que eu tenho falado.
Então foi muito natural
Meu interesse no cordel.
Pois, tudo quanto eu podia
Eu desejava saber
Da vida e cultura
Da minha amada mulher.
Me levaram as pesquisas
A entender a história
Dos coronéis e dos cangaceiros
E a luta pela memória
De um povo indomável
Que escreve sua trajetória
Nas folhas de um folheto
Poético e popular
De apenas alguns cruzeiros,
Barato, sim, para comprar,
Mas incalculável
Se da importância a gente falar.
Conseguir cordel pra ler
Difícil é pro estrangeiro.
Pois quase não existe
Fora do país brasileiro
Folheto físico pra ler,
Se você não for feiticeiro!
Ou seja que os cordéis
Só existem em coleção
Privada ou em biblioteca
Mas aqui cordel não vendem, não!
Procurei dar algum jeito;
Achei o nome d’um escrivão.
Ainda eu não sabia muito
Mas encontrei uma pista:
Visitou alguns anos atrás
Um senhor cordelista
À Biblioteca do Congresso.
Seu nome: Gonçalo Ferreira da Silva.
Cearense por nascimento;
Carioca se considerar
Onde ele tem ficado
Tantos anos para morar.
Pesquisando eu mais um pouco,
Pra ele decidi ligar.
Alguns fatores devo contar:
Por quê ligar pro Gonçalo
Ia ser necessário,
Pois parece muito trabalho.
E desde os Estados Unidos,
Ligar pro Brasil é caro!
Bom, vou dizer duas coisas
Que tem a ver com o assunto,
Primeiro que o seu Gonçalo
Além de cordelista astuto
Fundou e é presidente
De um nobre instituto:
Academia Brasileira
De Literatura de Cordel,
Eis aqui o nome inteiro
Desse órgão admirável
Que treze mil títulos tem
No seu acervo formidável.
Mesmo que a Biblioteca
Do Congresso tem nove mil
Títulos nas suas estantes
Consultar só um é difícil.
Em caixas, sem catalogar,
Estão, impedindo pro civil
Investigar e pesquisar
Esses folhetos mais a fundo.
Por isso decidi ligar
Pro outro lado do mundo
Pra consultar com um experto.
Agora, o fator segundo:
O cordel no meu pais,
Eu já disse a verdade,
Não é fácil de conseguir,
Quase uma futilidade
A não ser que você possa
Achá-lo com ingenuidade.
Tem site na Internet
Como o de Rui Barbosa
Que digitaliza cordéis
Para a pessoa ansiosa
De ler ou investigar
As palavras cuidadosas.
Mesmo assim, a tecnologia
Deixa muito que desejar
Porque não é igual você
Com a mão segurar
Essas páginas coloridas,
Ou bem com o nariz cheirar.
Fiquei decidido, porém,
Do Rio conhecer o calor
Do verão, e ir pro Brasil.
Liguei, sim, pelo computador
(usando o Skype) pro Gonçalo
Da ABLC o fundador.
Agendada uma visita
Para certo dia em março
Depois soube que tem
Cordelteca lá em São Gonçalo:
Dois Gonçalos num dia só,
Fique impressionado!
O motivo da visita:
Eu era estudante, não te falei?
Eu estava pesquisando
Sobre bandido que virou rei,
E seu legado se preserva
Escrito nas folhas dos cordéis.
A minha dissertação tem
Uma pergunta central:
Por quê tem “heróis” famosos
Embora fizeram muito mal?
Das personagens estudadas,
Uma delas é o Lampião.
Boa pergunta, eu acho.
E essa pergunta eu fiz
Chegando em Santa Teresa
E quando Gonçalo eu conheci.
Ele deu uma entrevista,
Ele o mestre, eu aprendiz.
Visitei vários dias;
Sempre pronto eu chegava
Para absorver, aprender.
O tema muito me interessava.
Fiz um amigo, comprei folhetos,
E se pudesse, mais tempo ficava.
Além da ABLC
Eu conheci o Maracanã
Que pra todo fã de futebol
É obrigatório visitar.
Por Corcovado, Ipanema
E muito mais pude passear.
Pensando naquela visita
Agora d’um cordel me lembro:
A história de “A chegada
De Lampião No inferno”,
A lenda diabólica
Escrita por José Pacheco.
Esse título famoso
Dos folhetos é exemplo fiel,
E me serve para dar nome
À essa história escrita em papel,
Quando cheguei na Academia Brasileira
De Literatura de Cordel.
Fim
(não é permitido copiar ou divulgar sem permissão do autor)
Obrigado por ler! A minha viagem foi possível graças a uma bolsa do Latin American Studies Center da Universidade de Maryland.